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Os diálogos físicos: estratégias para compor com o outro (01)

Farm in The Cave – Theatre Studio

 

Num artigo anterior abordei a natureza dos diálogos físicos. Apresentei alguns de seus traços principais e os campos nos quais se inscrevem: o teatro pós-dramático, o teatro performativo, a utilização de procedimentos working in progress e, mais especificamente, o teatro físico. Falei de algumas fontes de inspiração e pesquisa (os movimentos de crianças), bem como de seu caráter de composição no instante. Aqui, pretendo expor algumas estratégias para improvisar/compor com outro, desenvolvidas por Miranda Tufnell, coreógrafa, bailarina e performadora britânica (veja em Referências). As proposições não se limitam à dança, pelo contrário. Estamos no campo de uma cena expandida, na qual as fronteiras entre as artes encontram-se borradas. 

Antes de tudo, é preciso dizer que não podemos confundir essas estratégias com regras de improvisação. Ao contrário disso, o que se pretende é a atenção sobre a linguagem. Uma atenção flutuante, que leve em conta a criação de um todo aberto.

Acredito que cada composição cria sua própria definição. E, portanto, suas próprias regras. No caso dos diálogos físicos, o que está em foco é o plano dos estados corporais e das imagens, assim como das possíveis sonoridades e das conexões heterogêneas.

Tais estratégias constituem, assim, modos de atenção e de interação. Elas propõem-se como linhas sóbrias, a partir das quais acontece podem ocorrer relações complexas e sutis. E não se apresentam como treinamento, mas antes como criação performativa.

Miranda Tufnell  apresenta 08 estratégias para compor com o outro. O jogo pode ser realizado entre duas pessoas, ou mais, como tenho experimentado. Na coluna da direita, ela dá alguns exemplos, apenas a título de ilustração. Cito, na íntegra, numa tradução livre:

–          “Faça a mesma coisa

–          Instale uma atividade em harmonia com a primeira pessoa

–          Instale uma atividade similar em ritmo de contraponto

–          Instale uma atividade contrastante (de modo que a da pessoa se torne mais visível) ……….. ande, gire e gire de novo

–          Ajude o que está acontecendo (o que seja que você entenda por ajudar)………….. permaneça quieto

–          Obstrua a atividade da pessoa com uma atividade contrária………………………….. preencha o espaço com um objeto, tire um objeto…

–          Modifique o ambiente da pessoa……………………… ligue o rádio

–          Passe a existir em outro tempo ou outra dimensão…………… torne-se presente como um fantasma”

Em algumas práticas realizadas, os performadores (atores e/ou bailarinos) já entraram com pelo menos duas tarefas em mente. “Faça a mesma coisa”, ou seja, repetir é uma estratégia que sempre deve constar, a meu ver, em qualquer lista. Interessante que as pessoas do lado de fora possam, por sua vez e a cada momento, ler quais estratégias os performadores podem estar utilizando.

A estratégias podem funcionar se a primeira pessoa tiver experimentado algo. Ou seja, se ela tiver sua própria linha. Penso que, num plano de experimentação física, isso deve estar muito claro. Com o que a primeira pessoa está compondo? Nessa perspectiva, diria que ela tece um território – cria uma partitura com motivos que retornam. São elementos de reiteração e defasagem.

Entendo que na proposição em tela, um performador inicia a ação e o outro observa, interagindo com ele. E o segundo estará criando seu próprio território, sua própria linha de ação, ao dialogar com o outro. Mas também funciona se os dois tiverem, simultaneamente, linhas de ação a serem exploradas. E que possam, na perspectiva proposta, dialogar entre si, sempre a partir dos territórios em movimento – isto é, em processos de desterritorialização e reiteração diferida. No texto O ritornelo e a cena, discuti a composição mediante leitmotiv, o motivo que retorna (veja em Referências).

Continuarei adiante, em outros posts, apresentando ideias e experimentos relativos aos diálogos físicos: estratégias para compor com o outro. No próximo, falarei sobre as linhas de força. No mais, recomendo,  a leitura dos livros de Miranda Tufnell em parceria com o artista visual Cris Crickmay, que são estímulos muito bons para a pesquisa e a criação performativa.

Referências

– TUFNELL, Miranda e CRICKMAY, Chris. Body Space Image: notes towards improvisation and performance. Hampshire, Great Britain: Dance Books Ltd, 1993.

– ____________ e ________________. A Widening Fild. Princeton Book Co Pub, 2004)

Site de Miranda Tufnell

– A composição cênica e o ritornelo

– Estudos de composição cênica e corporal: uma abordagem

Os diálogos físicos: um exercício em improvisação e composição

– Imagem: do site  Farm in The Cave – Theatre Studio

 

 

Por Luiz Carlos Garrocho

Professor, pesquisador, diretor de teatro e filósofo.

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